A Cozinha Santo Antônio está introduzindo em seu cardápio a carne do boi Curraleiro Pé-Duro, uma raça genuinamente brasileira, cuja origem remonta ao século XVII, durante a colonização do Vale do Rio São Francisco pelos portugueses. Embora a pressão por gado mais produtivo tenha quase levado ao desaparecimento da raça, pequenos agricultores do Cerrado têm trabalhado para sua recuperação.
A chef Ju Duarte, sempre em busca de ingredientes com história, comenta: “Há muito tempo eu queria trazer para a mesa uma carne com identidade territorial e história para contar. Pequenos agricultores espalhados pelo nosso Cerrado estão cuidando da recuperação e preservação da raça Curraleiro Pé-Duro. Um deles é o Cláudio, da Fazenda Mutum – nosso novo parceiro. Estou muito feliz e orgulhosa de poder ter um produto como esse pra colocar nas nossas mesas. Estamos começando um novo capítulo aqui nas nossas panelas.”
A chef está preparando cortes especiais do Curraleiro Pé-Duro, como o lagarto, que será servido como carne de panela braseada, curada, além de carpaccio feito na casa e tartar, novidades no menu de entradas. O peito de boi do Curraleiro Pé-Duro está sendo usado no prato “Maria da Cruz”, uma receita especial do restaurante, batizado em homenagem a uma poderosa comerciante e senhora de terras que viveu no Norte de Minas, na beira do Rio São Francisco, no século XVIII. A receita também inclui carne, mandioca e milho como ingredientes principais, fazendo uma conexão com a região de Maria da Cruz.
Sobre o Boi Curraleiro Pé-Duro*
Atualmente, este gado está presente em todo o sertão do Brasil, incluindo a região semiárida, no bioma Caatinga, e a maior parte do Cerrado, concentrando-se, principalmente, nos estados da Bahia, Piauí, Goiás, Tocantins, Maranhão, Ceará e Paraíba. Estima-se que existam um pouco mais de 5.000 animais dessa raça. Além das comunidades tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto, são criados também por quilombolas e agricultores familiares de pequeno porte, em sistema de produção extensivo (cercados) ou superextensivo (completamente soltos), geralmente em pastagens nativas.
Há pouco tempo os criadores acreditavam se tratar de duas raças diferentes, o curraleiro no Cerrado, do oeste baiano, Goiás, e Tocantins, e o pé-duro na Caatinga, norte da Bahia e Piauí. O curraleiro-pé-duro só foi reconhecido como raça local brasileira pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em dezembro de 2012 (portaria nº 1.150), após a comprovação que o pé-duro e o curraleiro são a mesma raça. Desde então, a denominação oficial passou a ser “curraleiro-pé-duro”.
A Embrapa iniciou um trabalho de recuperação dessa raça na década 1970, que ainda é feito hoje, por se tratar de um importante recurso genético, que se encontra ameaçado de extinção, devido à introdução dos zebuínos e os cruzamentos desordenados, na busca por aumento de produtividade (CARVALHO et al., 2013). Com isso, a instituição criou o Núcleo de Conservação in situ de Bovinos Curraleiro-Pé-Duro no município de São João do Piauí, onde os animais são mantidos no habitat onde se desenvolveram e foram submetidos à seleção natural. No estado do Piauí, a raça é considerada patrimônio histórico e cultural (decreto 13.765 de 20/07/2009). Outro exemplo de esforço para a conservação das raças locais brasileiras bovinas é a Rede Pró-Centro Oeste Caracterização, Conservação e Uso das Raças Bovinas Locais Brasileiras: Curraleiro e Pantaneiro, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A iniciativa tem o objetivo de consolidar uma rede interregional e interdisciplinar de pesquisa e transferência de conhecimento com a finalidade de caracterizar duas raças bovinas brasileiras locais em risco de extinção, curraleiro-pé-duro e pantaneiro (também presente Arca do Gosto), além de gerar dados para subsidiar o desenvolvimento de um modelo de exploração pecuária para os biomas Cerrado, Caatinga e Pantanal, utilizando essas raças, priorizando a conservação dos ecossistemas, a sustentabilidade e a diversidade genética. (FIORAVANTI et al., 2012)
Embora o preconceito e a desvalorização ainda pairem sobre essa raça devido ao forte lobby dos grandes produtores em favor das raças comerciais, acredita-se que o aumento da demanda da população por produtos diferenciados que tenham identidade territorial, criados em sistemas de produção de baixa dependência de insumos e com baixo impacto ambiental, pode resultar no reconhecimento do seu valor. De acordo com Felix et al. (2013, p.1716), as raças bovinas brasileiras “constituem um importante recurso genético para sistemas de produção sustentáveis de carne bovina nas diversas regiões do Brasil”, podendo integrar sistemas de produção agroecológicos e ocupar nichos de mercado específicos. No caso do curraleiro-pé-duro, a sua maior resistência a ecto e endoparasitas reduz a utilização de insumos químicos como carrapaticidas e medicamentos, fato que tem sido cada vez mais valorizado por consumidores de carne em todo o mundo e pode ser usado como um diferencial no mercado (FÉLIX et al., 2013; CARVALHO, 2002).
O gado curraleiro-pé-duro é um animal rústico, de pequeno porte, extremamente adaptado, resistente, manso e de fácil criação. Se comparado a outros bovinos, essa vaca produz menos leite (2 a 5 litros/dia), mas é uma boa reprodutora, capaz de parir a partir dos 3 anos de idade. Segundo o pesquisador Geraldo Magela Côrtes Carvalho, o animal tem como principais características “a rusticidade, adaptação ao clima tropical e à alimentação nativa, resistência à parasitas, além de produzir carne mais macia do que os zebuínos”. Sua características fenotípicas incluem cor amarela avermelhada ou marrom, com extremidades mais escuras; pêlos finos e curtos; chifres grandes em forma de coroa, de cor marrom; focinhos pretos com venta larga; orelhas pequenas com extremidades arredondadas; e pescoço curto. A altura média na cernelha varia entre 1,10 e 1,35m e o peso adulto entre 250 e 350 kg. (CARVALHO et al., 2013). A média de idade para o abate é de 3,5 a 4 anos e, geralmente, para consumo local. Entre os criadores tradicionais, o curraleiro-pé-duro é utilizado para puxar carro-de-boi, importante instrumento de trabalho e locomoção no campo, e também como tradição presente nas festividades religiosas e manifestações culturais.
As vacas produzem leite rico em gordura, muito valorizado na feitura de requeijão do sertão, também conhecido queijo-manteiga, que é feito sem adição de coalho e cozido em um tacho com fogo à lenha, resultando numa massa amarelada com casca, no formato retangular. Essa produção é uma tradição familiar, feito em pequenas propriedades rurais. O queijo-manteiga poder ter de 2 a 10 quilos a depender da forma utilizada. Já a carne é consumida assada, cozida ou frita, podendo ser também salgada e secada no sol por dois dias para ser consumida seca, como carne de sol. Apesar das partes mais nobres serem menos macias, a carne em geral tem sabor apreciado (NASCIMENTO, 2020). A paçoca de carne de sol é um preparo típico, feito a partir da batida no pilão com farinha de mandioca refogada na manteiga com cebola e alho. De acordo com a culinarista Wanilda Arraes, “na culinária, sem dúvida, é uma carne de excelência, não deixando a desejar a nenhuma outra raça. É uma carne de maciez, suculência, sabor e aroma diferenciado, agradando assim os sentidos de visão, olfato e paladar”.
*fonte Slow Food Brasil
Sobre a Cozinha Santo Antônio
Em uma esquina charmosa, em um dos bairros mais tradicionais da cidade, a Cozinha Santo Antônio chama atenção logo de cara pela arquitetura. Ao mesmo tempo mineira e cosmopolita, com garimpos e peças de design e uma imponente e acolhedora cozinha aberta.
Uma ótima tradução para a comida feita ali. “Estamos completamente conectados com as nossas origens e com a nossa história, mas temos os pés no presente e o olhar no futuro”, diz Juliana Duarte, que comanda tudo no espaço.
A Cozinha Santo Antônio tem por princípio o respeito à sazonalidade dos ingredientes, por isso o cardápio muda de acordo com o que se tem de mais fresco e gostoso para cozinhar. Os insumos são orgânicos, de origem e chegam através de pequenos produtores.
“Todo início de semana planejo o cardápio dos próximos dias com base no que os produtores têm disponível” conta Juliana. “Durante a semana os pratos são de uma comida mais caseira, que eu defino como sendo ‘que nem a da casa da gente’. No final de semana temos pratos mais elaborados e sempre há opção vegetariana. A comida varia de receitas de família bem mineiras a pratos da cozinha do mundo, como a francesa e a do Oriente Médio que eu gosto muito e estudo”, completa.
Serviço
Whatsapp: (31) 9-8218-6427