Como ler Conceição Evaristo
“O objetivo da minha literatura é ser literatura e construir o texto-vida”, diz Conceição Evaristo entrevistada do Letra em Cena Especial
A segunda sessão do Letra em Cena Especial trará a escritora Conceição Evaristo para o palco do Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas. No dia 1º de agosto, às 19h, o curador do programa literário, o jornalista José Eduardo Gonçalves conversará com a escritora belo-horizontina sobre seu processo de escrita. “Em Conceição, o fazer literário está impregnado de sua condição de mulher negra, militante e feminista”, observa o curador. A leitura de texto será feita pela atriz e doutora em literaturas de língua portuguesa pela PUC-Minas Soraya Martins. Os ingressos, gratuitos, estão esgotados.
Conceição Evaristo diz que o que a atrai na literatura é que é uma arte que permite. “O fato da literatura ser um discurso do poder dizer, do poder ser. Ele permite a veiculação de sonhos, de frustrações de esperança, de revolta e possibilita imaginar e construir outro mundo. A literatura permite narrar os acontecimentos do jeito que eles são, mas narrar também a vida da maneira como gostaríamos que ela fosse”, diz a escritora. José Eduardo Gonçalves afirma que a Conceição é um dos maiores nomes da literatura. “Primeiro, pela diversidade de gêneros que ela domina com maestria – contos, poesia, romance e ensaios. Segundo, pela qualidade indiscutível que ela imprime aos seus trabalhos, em termos de linguagem, originalidade e densidade de seus textos. E terceiro, pela força crítica de sua literatura, comprometida especialmente com as questões da ancestralidade afro-descendente e com a defesa contundente do protagonismo das mulheres negras. Além disso, como pensadora e intelectual, Conceição tem tido um papel fundamental ao trazer para a arena pública o debate sobre a desigualdade social, a discriminação racial e a violência estrutural que se abate sobre os chamados grupos sociais minoritários”, atesta.
Pode-se dizer que Conceição criou uma forma de escrita que é sua identidade, mas que, por meio dela, a autora celebra histórias. “A insistência, o exercício de querer tomar a vida nas mãos pela escrita que surge marcada primeiramente por vidas, por vivências, por existências grafadas no tempo, que pode ser o tempo de hoje , o tempo de ontem, ou o tempo da lembrança”, diz Conceição. A escritora completa afirmando que “mais que aglutinar as palavras, escrever e viver é podermos pensar a escrevivência como um texto-vida, um escrito da vivência. Dessa forma, a escrevivência pode ser captada por meio de uma música, de uma dança, de um texto histórico ou em um escrito que há o elogio da memória”, explica. A escritora salienta que a escrevivência “está relacionada e tem como imagem fundante corpos silenciados que não puderam dizer aquilo que queriam, mas que ao longo do tempo foram adquirindo a potência de corpos falantes e que se realizam por meio da escrita”. O curador aponta que o termo cunhado por Conceição, escrevivência, traz o trabalho da memória. “Escrevivência, que é como ela define a escrita que vem da vivência cotidiana, do fazer do povo negro, em uma mescla de memórias pessoais e coletivas. É fascinante como ela trabalha a questão da memória como fonte de acesso ao conhecimento”, observa José Eduardo.
Conceição traduz a vivência das mulheres negras para a linguagem literária e ela afirma que passa por alguns caminhos para isso. “Ora passa pela minha própria vivência, que eu conheço por experiência, e ora passa por uma inscrição de uma vivência coletiva de uma memória histórica que se faz presente em mim”, diz Conceição. A autora diz que não dá voz às mulheres negras, mas sim “é uma mulher negra falando. Então, eu sou uma mulher negra que posso simbolizar outras mulheres iguais a mim e que me simbolizam, assim como eu à elas”, diz. José Eduardo observa que a autora é a continuação de uma rica trajetória. “Ela vem de uma linhagem de escritoras que tem expoentes como Maria Firmina e Carolina de Jesus, e que encontra eco, hoje, em autoras como Ana Maria Gonçalves, mas, sem dúvida, o papel de liderança de Conceição Evaristo na frente de lutas pelo reconhecimento do papel das mulheres negras é inquestionável”, atesta.
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