Seja em receitas tradicionais, em quitandas do dia a dia ou em pratos elaborados de restaurante, a carne de porco continua a ocupar um lugar especial na mesa mineira. Entre lembranças afetivas, técnicas refinadas e valorização de produtores locais, ela aparece em diferentes formas no trabalho de chefs e cozinheiros.
O porco caipira da Serra
Na Lapinha da Serra, a chef Marina Leite, do Casulo, trabalha exclusivamente com o porco caipira — um animal preto, mais gorduroso e considerado por ela muito mais saboroso. “Trabalhamos apenas com ele, vindo dos ranchos da região. São quatro fornecedores locais, geralmente produtores que precisam abater algum porco”, explica.
O prato que simboliza essa relação é a costela assada lentamente, servida com melado de cana e risoto de arroz vermelho com casca de jabuticaba. Outra criação que tem ganhado destaque é o presunto cru maturado por até 18 meses, processo que aproveita os ventos fortes da Lapinha como parte essencial da cura. “É uma satisfação sem igual fazer uma receita que depende do lugar onde vivemos”, diz Marina. A cozinha também faz uso integral do animal: carne de lata, linguiça caseira, barriga defumada e feijoada aos domingos.
O Porco Latino do Gabo
Na Casa Gabo, o ingrediente aparece em versão vibrante e cheia de tempero: almôndegas suínas de copa lombo com molho cremoso de ají amarillo, pimenta peruana de picância suave e perfume marcante. O prato combina textura macia e sabor profundo, mostrando o quanto a carne de porco pode ganhar protagonismo em cozinhas autorais.
O Zampone do TOM
No TOM Cozinha, a chef Ana Clara Valadares escolhe o pé de porco como sua receita favorita do cardápio. “Não só pelo sabor — intenso, melado, profundo — mas pela história que ele carrega. É um prato que nasce do encontro entre tradição e reinterpretação.”
Inspirada no zampone, embutido clássico italiano que recheia carne moída dentro da pele do pé e da panturrilha, a chef traduziu o preparo para sua própria linguagem, trazendo ingredientes que ressaltam a potência da carne. “No Brasil, o pé costuma ser coadjuvante de feijoada ou deixado de lado. Mas ele tem potência, sabor, história. Quis trazer isso de volta.”
A receita foi construída ao longo do tempo, até chegar ao ponto certo: o pé cozido lentamente, preguento e untuoso, servido com purê de feijão branco bem liso, gremolata de coentro e pimenta de cheiro, além do torresminho de orelha — que sempre vira assunto à mesa. “É um prato que fala de herança, de dar valor ao que é considerado menor. A princípio, pode causar estranhamento, mas o sabor conquista. Para mim, uma receita boa precisa ter coragem, memória e intenção”, resume.
O afeto e a técnica de Ju Duarte
Na capital mineira, a chef Ju Duarte, da Cozinha Santo Antônio, não esconde a paixão pela carne de porco. “É muito versátil, eu gosto especialmente de bochecha, pernil e costelinha. Não dou conta de escolher um só!”, diz. Sua trajetória como cozinheira começou justamente com uma receita de porco: a terrine, preparada com diferentes cortes, lombo defumado e bacon artesanal. “Foi a primeira comida que eu vendi na vida. Amo preparar, fazer os desenhos e finalmente cortar.”
No cardápio atual, o torresmo carnudo e pururucado com limão capeta é sucesso, e a bochecha aparece como recheio de cambuci com molho de pitanga. Para Ju, a carne de porco é inseparável da cozinha mineira: “Meu sonho é convencer os clientes a comerem o filezinho de porco vermelhinho por dentro. A textura e o sabor são outros, mas ainda há preconceito.”
A longevidade de Agnes Farkasvolgyi
No bistrô A Casa da Agnes, a chef Agnes Farkasvolgyi mantém há mais de duas décadas o prato que se tornou assinatura: lombinho confitado em banha, servido com espaguete de couve e torresminhos crocantes. Criado no fim dos anos 1990, ele simboliza a permanência do porco em sua cozinha.
“Esse prato está nos meus cardápios até hoje. Ainda existe uma desconfiança em torno da carne de porco ao ponto ou rosada, mas vamos mostrando, com explicação científica e procedência segura, que é possível”, explica. Para Agnes, a tecnologia amplia horizontes: “Com a facilidade de trabalhar em baixa temperatura e longas cocções, as chances são infinitas.”
O porco no cotidiano
A presença do porco vai além dos restaurantes. No Cria Cafés, o pão de queijo recheado de pernil com queijo Canastra acompanha os cafés especiais da casa. A Polvilha oferece o bolo de pão de queijo, feito com queijo minas artesanal e ovos caipiras, que também pode receber lombo defumado no recheio — uma forma prática e generosa de trazer o ingrediente para a mesa do dia a dia.
Entre tradição e contemporaneidade
Do presunto maturado pelos ventos da Lapinha ao pé de porco reinterpretado no TOM, da terrine de Ju Duarte ao lombinho confitado que atravessa décadas, passando pelos pães de queijo recheados do cotidiano, a carne de porco mostra toda a sua diversidade na mesa mineira. Um ingrediente que segue vivo, entre tradição, técnica e território.
Serviço
Casulo
Rua Olhos d’Água, 01 – Lapinha da Serra, Santana do Riacho, Minas Gerais
Funcionamento: terça a domingo
Telefone: (31) 98408-0368
Instagram: @casulolapinhadaserra
Gabo
Avenida Cristóvão Colombo, 336 – Savassi, Belo Horizonte
Terça a quinta, das 17h à 0h | Sexta e sábado, das 17h à 1h
@casa.gabo.bh
Cozinha Santo Antônio
Rua São Domingos do Prata, 453 – Santo Antônio, Belo Horizonte
Funcionamento:
Terça a sexta, das 12h às 15h
Sábados, domingos e feriados, das 12h30 às 17h
Quintas e sextas, das 19h às 23h
@cozinhasantoantonio
A Casa da Agnes
Rua Paulo Afonso, 833 – Santo Antônio, Belo Horizonte
Almoços: terça a sábado, de 12h às 15h
Eventos fechados para até 60 pessoas
Informações e delivery: (31) 98738-7066
@acasadaagnes
TOM
Horários: quarta, quinta e sexta das 18h30 à 0h; sexta-feira: 12h às 16h, sábado das 12h às 0h; domingo das 12h às 17h
Endereço: Av. Amazonas, 1049 – loja 70 – Centro, Belo Horizonte
Instagram: @tomcozinha
Cria Cafés
R. Gonçalves Dias, 1933 – Lourdes
@criacafes





