A partir do dia 28 de março, o Museu de Artes e Ofícios, em Belo Horizonte, recebe a exposição FAINA, reunindo obras de Dalber de Brito e Julia Gallo, sob curadoria de Lorraine Mendes. A mostra nasce do encontro entre dois artistas que compartilham a investigação sobre o fazer manual, o labor e a poesia. Suas obras, construídas a partir de gestos e materiais carregados de memória, dialogam diretamente com a essência do Museu de Artes e Ofícios: um espaço que resgata e preserva as histórias de trabalhadores e das cidades, evidenciando a potência das mãos na construção da cultura e da identidade.
Faina remete às práticas cotidianas que dão forma à existência. Para a curadora Lorraine Mendes, “Faina é a construção das memórias, o ressoar das vozes ancestrais que falam através do trabalho, da lida com a terra e com os rios, do cantar das aves ao amanhecer e do peso da noite ao cair. Não é só o que fazemos, mas o que somos. Faina é, no fim, o tecido invisível que une os dias, tecendo os destinos de todos que dela fazem parte. Na composição do tecido que une os dias também encontramos o fio que conduz o encontro de dois artistas”, relata. Na mostra, o diálogo entre Julia Gallo e Dalber de Brito se dá justamente nesse território do processo manual, do gesto que se inscreve no tempo e no espaço.
Julia Gallo trabalha com o desenho como eixo central de sua prática. “São desenhos, porque eles têm um pensamento gráfico de linha, de construção de volume, mas são realizados em materiais diversos. Para mim é muito importante respeitar a natureza de cada material, suas possibilidades e seus limites. O carvão é muito mutável, tem essa sujeira meio indomável que te obriga a trabalhar junto com ela. Os recortes de papel, por outro lado, já têm essa precisão do corte e outro tipo de textura. O alumínio oferece a possibilidade de trabalhar com relevo. Eles direcionam bastante as imagens e todos os trabalhos da exposição têm em comum, há um casamento da imagem com o material que, para mim, é muito importante”, comenta a artista.
Dalber de Brito, por sua vez, atravessa diversas linguagens como esculturas e instalações para construir narrativas ligadas à memória e ao território. Sua obra evoca questões sobre pertencimento, identidade e resistência, e é profundamente influenciada pela cidade de Sabará e pelos processos manuais que utiliza para construir suas peças. “No meu trabalho artístico eu recorro a várias práticas manuais de ofícios, que para mim, ultrapassam o conceito do simples labor. A marcenaria, a ourivesaria, a costura, a luthearia são fazeres que sempre estiveram no feitio da arte. Além disso, minha relação com vários materiais se dá a partir de vivências profissionais, como é o caso da madeira, tão presente em minhas obras. Os gestos do trabalhador se confundem aos gestos artísticos quase de maneira performativa. Para mim, expor meus trabalhos num museu com esse foco, como é o Museu de Artes e Ofícios, é também me reconhecer como trabalhador. Uma alegria e também uma responsabilidade de ter minha obra associada a um acervo tão valioso.” afirma.
O Museu de Artes e Ofícios como espaço expositivo amplia o diálogo entre arte e ofício, entre passado e presente. “Receber uma exposição é sempre um encontro. E, quando se trata de FAINA, esse encontro se torna um espelhamento. Como se o museu se reconhecesse naquilo que chega, num diálogo entre o ontem e o agora. O labor diário, inscrito nas ferramentas, nos corpos e nos silêncios, encontra eco nos trabalhos de Julia Gallo e Dalber de Brito. O Museu, que abriga a história do trabalho, acolhe agora a poética do fazer artístico como extensão dessa mesma narrativa”, finaliza a gerente de cultura do SESI Cultura, Karla Bittar.
SERVIÇO:
FAINA
Dalber de Brito e Julia Gallo
Curadoria: Lorraine Mendes
Abertura: 28 de março, às 19h
Visitação: 29 de março a 1º de junho (Terça a sábado, das 11h às 17h)
Local: Museu de Artes e Ofícios (Praça Rui Barbosa, 600 – Centro, Belo Horizonte – MG)
Mais informações: https://www.instagram.com/museudearteseoficiossesi/
Sobre Julia Gallo
Julia Gallo (Rio de Janeiro, 1997) é artista visual, vive e trabalha em São Paulo. Seus trabalhos têm por procedimento central o desenho, seja como carvão riscando a tela, tesoura cortando papel ou mesmo sombras translúcidas projetadas no espaço. Gallo cria anatomias ficcionais que dão forma a estados de ânimo específicos, dissolvendo a suposta dicotomia entre corpo e alma. Em seus trabalhos, criaturas indizíveis e gestos indecifráveis são vistos em cenas densas e inflamadas, cuja sensação provoca, simultaneamente, sensações familiares e mistérios vitais.
Sobre Dalber de Brito
Dalber de Brito é artista visual multidisciplinar, investiga as relações ambíguas entre sabotado e sabotador na guerrilha de classes na sociedade contemporânea através de suas remanescências coloniais. Movimentações diaspóricas, exílios, fugas e migrações atravessam seu trabalho como comentário a uma violência latente que perdura. Suas obras são marcadas pelas relações espaciais que remetem a território e memória, através de objetos, esculturas, filmes, performance e instalações. Sua pesquisa e produção é afetada por seu corpo – preto – e seu território – ao mesmo tempo subúrbio e cidade minerária; na confluência entre terrorismo bandeirante e misticismo popular, colonialidade e contracolonialidade.
Sobre Lorraine Mendes
Lorraine Mendes é professora, pesquisadora e curadora. Doutoranda em História e Crítica da Arte pelo PPGAV UFRJ, realizou curadorias como Dos Brasis: arte e pensamento negro (SESC SP) e Time of things, individual de Rosana Paulino para Mendes Wood DM (Bruxelas). Atualmente, integra a equipe curatorial da Pinacoteca de São Paulo.