Brasil no Espelho é um livro que a gente torce para que muitos leiam porque ataca de frente um problema do nosso povo que anda se estranhando nos últimos anos. As eleições exacerbaram esse comportamento como sabemos, mas é possível ir mais fundo para entender melhor e, principalmente, pôr fim à divisão entre os brasileiros, tão nociva para nós todos. E o que está na raiz do problema, a pesquisa e o livro mostram, é uma visão míope e deturpada de Brasil – 70% não conhecem o próprio país, e o que é pior, pensam que conhecem.
Por parte do autor, houve mais do que trabalho sério e aprofundado de pesquisa. Felipe Nunes escreve na primeira pessoa e dá até exemplo da vida pessoal colocando-se como um de nós, o que de começo já funciona como um convite ao entendimento. E está aí está outra virtude do livro que fala do país como uma unidade. Somos um único povo e somos mais definidos pelo quanto nos parecemos do que pelo quanto nos diferenciamos uns dos outros, mais um apelo à convivência pacífica.
Para se ter ideia do quanto nós desconhecemos a realidade do nosso país, a pesquisa fez quatro perguntas aos entrevistados. Sendo elas: como está a economia do Brasil, como está o nível de desemprego, como anda nossa segurança e quantas pessoas morreram de covid no país.
Nada menos que 42% dos entrevistados tiraram zero na “prova” e, entre os que acertaram alguma coisa, a média de acertos ficou por volta de 0,8. E aí vem o principal, perguntados sobre se teriam acertado todas as questões, 70% responderam que tinham acertado tudo.
Ou seja, o debate público que forma a consciência dos brasileiros sobre o país atualmente está eivado de engano e de desinformação. Se quase todos acham que estão certos sem estarem é compreensível que o diálogo com o outro que pense diferente fique complicado.
Se estou convicto de que estou certo sobre o que penso, é claro que o outro só pode estar errado. E se a gente coloca aí o componente emocional da disputa
eleitoral dá para entender os danos que essa miopia coletiva provoca. Muita briga entre amigos, família e até confronto com morte, como já vimos.
Se há uma vantagem no cada cabeça uma sentença é que o país está se interessando mais pelos assuntos da política e da economia. Resta saber como temperar os ânimos com informações corretas que deem a real dimensão do país e que levem ao debate proveitoso. Esse o que precisamos para melhorar nossa vida como uma nação.
Outro assunto tratado na obra é o quanto somos desconfiados uns dos outros. Em comparação com outros países, especialmente entre os mais desenvolvidos, estamos na rabeira, no mesmo nível de países mais pobres do mundo. Essa desconfiança atrasa o país, encarece as transações que precisam se acercar de dezenas de cláusulas contratais e, acima de tudo, acirra nossa percepção de insegurança.
Conforme a pesquisa, 70% dos brasileiros que vivem nas capitais têm medo de sair na rua temendo a criminalidade, mas o problema atinge a maioria da população nos quatro cantos.
E a falta de segurança vai além da percepção de insegurança gerada pela criminalidade e a violência. Ela é ampliada na pesquisa para falar das situações de desamparo em geral às quais a população se vê submetida. Esse desamparo cobra seu preço e é um indicador para vários comportamentos dos brasileiros.
É desta forma que, quanto maior a insegurança (de qualquer povo) mais aumentam sentimentos de intolerância com o outro, rejeição de normas igualitárias, fortalecimento do comportamento de grupo. Prevalecem valores tradicionais ligados à religião, à família e rejeição ao diferente.
Da mesma maneira, valores tradicionais e conservadores se opõem aos seculares, derivados da razão e da experiência humana. O contrário desses comportamentos surge com o atendimento das necessidades humanas de sobrevivência quando prevalece a generosidade, mais confiança e abertura ao outro com predomínio de valores chamados de autoexpressão.
Pobres e ricos, inseguros e seguros diante da realidade crua da vida, brasileiros são, na média, conservadores com vários pontos em comum. Noventa e seis por cento acreditam que Deus está no comando de suas vidas. Para 96% também, família é a coisa mais importante da vida.