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crédito: May Franco |
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Na rua tudo passa. E tudo se passa, tudo acontece. A rua é o caminho ou destino de todas as cenas diárias que compõem o roteiro das grandes cidades brasileiras. E é em Belo Horizonte, capital da terceira maior região metropolitana do país, que no próximo dia 27 de novembro (quinta-feira) nasce uma nova sala de cinema que mistura totalmente a vida e a rua, nas telas e por trás delas. O Cine Graciano, que abre as portas numa casa na Rua Itapecerica, 468, Lagoinha, é dedicado à exibição de obras do cinema independente e é fruto do trabalho da associação Filme de Rua, que desde 2015 produz audiovisual junto a jovens em situação de rua na capital mineira. Com uma trajetória de muitas vidas em transformação, filmes premiados e experimentações de produção, a Filme de Rua abre as portas do Cine Graciano como um espaço para ampliar o acesso à cultura na cidade, promover o circuito não comercial de exibições em BH e fortalecer a rede de proteção e valorização das camadas mais esquecidas e invisibilizadas da sociedade brasileira. O evento de estreia do Cine Graciano acontece às 18h com a exibição dos curtas “Roubar um Plano”, de Lincoln Péricles e André Novais e “Filme sem Querer”, também de Lincoln Péricles, e com a presença dos diretores e também do cineasta André Novais. Na terça seguinte, no dia 2 de dezembro, a sala recebe mais uma sessão especial com exibição do filme “Minha África Imaginária”, de Tatiana Carvalho. Depois disso, a sala segue recebendo sessões semanais, sempre às terças e quintas, às 19h, além da sessão da tarde quinta às 15h. A entrada é gratuita, sem retirada de ingressos. SOBRE O CINE GRACIANO E A LAGOINHA O espaço do Cine Graciano conta com 48 lugares e estrutura para exibição de produções cinematográficas em diferentes formatos. A proposta do espaço é priorizar filmes que pautem os direitos humanos e a democracia, a reflexão crítica sobre as desigualdades sociais, a promoção de mulheres, pessoas negras, indígenas, periféricas e LGBTQIAPN+, a cultura popular, os movimentos urbanos, a arte independente, a vida nas grandes cidades, suas diversidades, riquezas humanas e contradições cotidianas. A Lagoinha, um dos bairros operários mais antigos de Belo Horizonte, carrega em suas ruas a memória da construção da capital e um passado de resistência cultural. Conhecida como a “Pequena África” de BH, foi um reduto fundamental para a população negra, cuja história, embora frequentemente apagada, luta para se manter viva. A paisagem do bairro foi radicalmente transformada com a construção da Rodoviária e do Complexo da Lagoinha, intervenções que fragmentaram sua comunidade. Apesar disso, sua alma boêmia e cultural nunca se apagou, pulsando na memória da Praça Vaz de Mello, berço do samba e palco do lendário bloco de Carnaval Leão da Lagoinha. Hoje, esse bairro de efervescência histórica vive um importante processo de retomada, a partir de iniciativas como o movimento Viva Lagoinha. Mas também convive com a dura realidade de muitas pessoas em situação de rua, refletindo as contradições da cidade que ajudou a construir. SOBRE A FILME DE RUA A Filme de Rua tem suas primeiras movimentações em 2010, a partir de rodas de conversa organizadas pela psicanalista Joanna Ladeira com jovens que tinham as ruas como espaço de moradia e vivência, entre eles Hugo, Maíra, Samuel, Lelo, Alexander. Inicialmente, os encontros ocupavam o antigo espaço Miguilim e depois o Viaduto Santa Tereza. Em 2015, esse grupo informal consolidou-se como um coletivo – integrado também por Joanna, Ed Marte, Daniel Carneiro, Guilherme Melo, Paula Kimo e Zi Reis, – com o objetivo de ver e fazer filmes, junto a essa juventude. Foi produzido o curta-metragem “Filme de Rua” (2017), premiado em festivais pelo país. Com o tempo, outras pessoas passaram a integrar o coletivo e, mais tarde, a Associação. A produção colaborativa tornou-se método, criando um espaço de expressão e aprendizado que resultou em outros curtas como “Maloca”, “Chuá de Maloqueiro” e dois longas, “Pérola” e “Ficção tipo real”, atualmente em fase de finalização. Em 2019, com projetos premiados no Rumos Itaú Cultural, o coletivo formalizou-se como Associação Cultural e ocupou sua primeira sala de cinema no Edifício Sulamérica, inaugurando a ocupação cultural desta localidade no centro da cidade. O espaço tornou-se pólo cultural, hospedando debates, seminários, mostras e exibições, fechando as suas portas em 2023 e hoje revivendo com a iniciativa do Cine Graciano QUEM FOI HUGO GRACIANO A sala de cinema tem, em seu nome, uma homenagem a Hugo Graciano, um dos jovens com trajetória marcante junto à Filme de Rua, participante do coletivo desde o seu início, e que partiu em março de 2024, com apenas 26 anos. Conhecido por sua persistência, alegria, amizade e criatividade, ele atuou como artista, criador e mobilizador da Filme de Rua. Também é pai do Samuel e atuou como redutor de danos no Consultório de Rua, da PBH. Aos 7 anos, Hugo encontrou-se em situação de rua, onde viveu por muitos anos. Ao longo da vida, ele se tornou uma força positiva para muitas pessoas. Agora, a Filme de Rua celebra a sua vida e o homenageia, com a criação do Cine Graciano. SESSÃO DE FILMES Na noite de inauguração, a sala vai receber dois curtas-metragens e uma conversa com os realizadores. Filme sem querer, de Lincoln Péricles, é uma produção de gênero híbrido que se passa durante a pandemia de Covid-19. A narrativa conta a história de um coletivo de cinema de quebrada que recebe uma proposta: uma instituição que lucra com recursos públicos destinados a comunidades marginalizadas quer contratá-los para um projeto que retrata sua marca como aliada da cultura da favela. Dividido entre a sobrevivência financeira e a integridade política, o coletivo precisa decidir: vender sua imagem ou encontrar uma forma de subverter a encomenda?. Já Roubar um Plano, dirigido por Linconl e também por André Novais, mostra um dia na vida de Renato e Adriano. Os dois resolvem não trabalhar e andam pelas ruas do Capão, enquanto uma equipe de cinema rouba alguns planos. Lincoln Péricles, vulgo LK, é cineasta, roteirista e produtor nascido no Capão Redondo, periferia de São Paulo. Sua obra já passou por festivais como Doclisboa, FICValdivia, NFMLA e FID Marseille, além de instituições como o Centre Pompidou e o Instituto Moreira Salles. Foi contemplado pelo William Greaves Fund (EUA) e participou de residências e mostras em países como França, México, Portugal e Quênia. Entre seus trabalhos recentes estão Mutirão: O Filme (2022) e Meu Amigo Pedro MIXTAPE (2024). André Novais Oliveira – Nascido em 1984. É formado em História pela PUC-Minas e em Cinema pela Escola Livre de Cinema/BH. É sócio-fundador da produtora Filmes de Plástico junto com Gabriel Martins, Maurilio Martins e Thiago Macêdo Correia. Dirigiu os curtas FANTASMAS, POUCO MAIS DE UM MÊS e QUINTAL, e os longas ELA VOLTA NA QUINTA, TEMPORADA e O DIA QUE TE CONHECI. INAUGURAÇÃO Além da exibição dos dois curta-metragens, a festa de inauguração vai ter a presença de Rainha Belinha, Rainha Conga de Minas Gerais e Rainha das Guardas de Moçambique e Congo 13 de Maio; Pai Ricardo, coordenador da Associação de Resistência Cultural Afro-brasileira e da Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente (CCPJO); e Pai Joviano, pai de Oxóssi do terreiro Pai Manoel de Aruanda e Mestre da Cultura Popular de Belo Horizonte. A noite conta ainda com uma roda de conversa com os cineastas Lincoln Péricles, André Novais, Renato Novais e mediação de Paula Kimo, além de ser um momento de encontros e celebração. MINHA ÁFRICA IMAGINÁRIA O documentário “Minha África Imaginária”, de Tatiana Carvalho, se constitui numa narrativa em primeira pessoa de um singular-plural, trazendo a experiência pessoal e as inquietações da diretora entrelaçadas com as vivências, memórias e experimentações de outras mulheres negras. Uma visita ao passado comum e seus afetos, em busca de definições de si, numa partilha e criação de um território comum de (r)existência. Partindo da porta do não retorno, o filme se organiza em um experimento ensaístico em torno das memórias e das possibilidades subjetivas de refúgio e resistência aquilombada. Tatiana Carvalho é cineasta, professora, pesquisadora e curadora em cinema e audiovisual. Presidente da APAN – Associação de Profissionais do Audiovisual Negro. Membro do Conselho Superior de Cinema e docente no Centro Universitário UNA (BH/MG). Foi colaboradora, na curadoria e júri, de festivais como FESPACO – Festival Internacional de Cinema e TV de Ouagadougou (Burkina Faso), CineLatino (Alemanha) e Mostra de Cinema de Tiradentes (Brasil). É co-autora dos livros Mulheres Comunicam: Mediações, Sociedade e Feminismos (Ed. Letramento, 2016), Cinema Brasileiro em resposta ao país (ed. Universo Produção, 2022) e Un-Mapping the Global South (Ed. Routledge, 2024). O projeto é realizado por meio de uma emenda parlamentar da deputada Bella Gonçalves (Termo de Fomento 1271000191/2025), em parceria com o governo do Estado de Minas Gerais. SERVIÇO 2 de dezembro, terça 19h Exibição do filme Minha África Imaginária (Minas Gerais, 2025, 52′), de Tatiana Carvalho quinta-feira, 4/12, teremos uma sessão às 15h: O Caderno de Avenca Aisha Bruno 2024, MG, 21′, Ficção Sinopse: Avenca é uma jovem atriz que sonha em trabalhar com cinema. Enfrentando dificuldades nos trabalhos com o teatro, ela decide dar um novo rumo para sua vida quando sua mãe a entrega seu caderno verde que estava perdido nas coisas antigas do guarda roupas. À Noite Todos os Gatos São Pardos Matheus Moura 2024, MG, 17′, Ficção Sinopse: A noite de Belo Horizonte, Brasil, é uma cápsula do tempo que relativiza a passagem, turva os sentidos e recosta as definições de futuro na vida do jovem Júnior – que não vê a hora de se emancipar de absolutamente tudo. Tudo que é Apertado Rasga Fábio Rodrigues Filho 2019, MG, 28′, Documentário Sinopse: Na tentativa de forjar uma ferramenta capaz de operar o corte por justiça, este filme retoma e intervém em imagens de arquivo, reestudando parte da cinematografia nacional à luz da presença e agência do ator e da atriz negra. 04/12, quinta, 19h No Coração do Mundo Maurílio Martins, Gabriel Martins 2019, MG, 119′, Ficção Sinopse: Na periferia de Contagem, Marcos busca uma saída para sua rotina de bicos e pequenos delitos. Surge uma oportunidade arriscada, mas que pode solucionar todos os seus problemas. Para isso, ele precisa convencer sua namorada, Ana, a se juntarem a Selma e executarem o plano que pode mudar suas vidas para sempre. Rua Itapecerica, 468, Lagoinha Entrada gratuita Informações: instagram.com/filmederua |
BH ganha nova sala de cinema independente, o Cine Graciano, da associação Filme de Rua
Espaço na Lagoinha representa 10 anos de trabalho da associação Filme de Rua junto a jovens que viveram ou vivem nas ruas da capital mineira





