A chegada da primavera, que marca tradicionalmente o início do período chuvoso no Brasil, trouxe um alerta imediato para Belo Horizonte. Após semanas de estiagem, o final de outubro registrou tempestades intensas. Apenas no dia 30 de outubro, a Região Nordeste da capital recebeu 77,4 milímetros de chuva em poucas horas, o que corresponde a 70,4% do volume esperado para o mês. Esse não é um evento isolado, mas um sintoma de um novo padrão climático.
Ao longo deste ano, a Prefeitura de Belo Horizonte informou ter realizado ações de preparação para o período chuvoso: limpeza de córregos, retirada de resíduos das calhas, manutenção de bacias de contenção e manejo da arborização urbana. Também foi anunciado um contrato de R$ 159 milhões com a Caixa Econômica para as obras de drenagem nos córregos Vilarinho, Nado e Ribeirão Isidoro. As bacias de contenção da Lagoa Seca, Bonsucesso, Engenho Nogueira e Camarões receberam serviços de desassoreamento.
No entanto, para o arquiteto e urbanista Alexandre Nagazawa, diretor da BLOC Arquitetura Imobiliária, estas intervenções são apenas paliativas. “Essas intervenções são importantes, mas insuficientes quando analisamos o problema na sua escala real. Belo Horizonte não sofre de enchentes apenas porque chove. A cidade sofre porque o território foi ocupado e urbanizado de modo a impedir o ciclo natural da água”, afirma.
Segundo Nagazawa, compreender a dinâmica das inundações exige olhar para além dos pontos críticos mais conhecidos. “A enxurrada que alaga a Vilarinho não nasce na Vilarinho. Ela se forma nas encostas desmatadas, nas superfícies impermeáveis, nos fundos de vale canalizados. O problema é de sistema. E problemas sistêmicos e complexos exigem soluções integradas e complexas. Não é nada fácil.”
De acordo com o especialista, limpar córregos ou desassorear bacias, embora necessário, não elimina a origem estrutural dos alagamentos, condicionada tanto pela forma como a cidade foi ocupada quanto pelos novos padrões climáticos.
Ocupação e mudança climática
As mudanças climáticas estão reconfigurando o regime de chuvas, a frequência de eventos extremos e a vulnerabilidade das cidades brasileiras. A destruição de grandes biomas como o Cerrado e a Amazônia enfraquece os sistemas de umidade. No contexto urbano, o problema é ampliado pelo histórico de drenagem e ocupação de várzeas, canalização de córregos e, principalmente, pela impermeabilização do solo.
De acordo com Nagazawa, essa urbanização criou uma cidade que não consegue absorver a água e que se transformou em uma gigantesca ilha térmica. “Quando massas de ar frio encontram esse calor, formam-se tempestades rápidas e extremamente intensas. O relevo acidentado de Belo Horizonte, uma cidade que cresceu do fundo do Vale do Arrudas para as encostas, agrava a situação, pois a água ganha velocidade no asfalto e no concreto, transbordando nos pontos de canalização estreita”, explica.
Engenharia e natureza
Para enfrentar o problema, Nagazawa defende a necessidade de um planejamento de longo prazo, de 20 a 50 anos, que una engenharia e natureza. “As soluções exigem infraestrutura robusta de grande porte, como bacias de contenção interligadas, túneis de macrodrenagem e reservatórios subterrâneos e também infraestrutura verde e biodiversa”, ensina.
Segundo o especialista, essa abordagem inclui a recuperação de nascentes e margens de córregos, a criação de parques-bacia (que funcionam como sistemas vivos de drenagem) e a adoção do design biofílico como premissa urbana para tornar a cidade habitável. “Belo Horizonte só será segura quando arquitetura, urbanismo, engenharia, ecologia, tecnologia e justiça social caminharem juntas”, alerta.
Além disso, de acordo com o arquiteto urbanista, é preciso implementar uma Sala de Situação Metropolitana 24 horas conectada a sensores, pluviômetros e radares meteorológicos para monitoramento preditivo dos riscos. É nesse ponto que Nagazawa reforça a diferença entre reação e estratégia: “Obra sem monitoramento vira reação momentânea. Monitoramento sem obra vira diagnóstico eterno. A cidade precisa dos dois, funcionando juntos.” Para ele, a crise climática exige uma política de Estado, e não apenas de governo, para que as obras de drenagem deixem de ser tratadas como pauta eleitoreira.
Soluções
A gestão eficiente dos desafios hídricos e climáticos de Belo Horizonte passa por uma abordagem cooperativa e tecnicamente avançada. Isso pode começar com a criação de um Consórcio Metropolitano de Gestão das Águas, apoiado por uma Sala de Situação Metropolitana 24 horas. Essa coordenação, de acordo com Nagazawa, é essencial para implementar uma infraestrutura robusta de drenagem interligada e permitir a recuperação de córregos, várzeas e nascentes em toda a região.
Outras ações essenciais incluem a execução de um plano contínuo de arborização e a criação de parques-bacia e corredores verdes de drenagem, além da instalação de jardins de chuva e a reversão da impermeabilização do solo onde for viável. A segurança também passa pela elaboração de um plano metropolitano de manejo de encostas e o reassentamento digno e assistido de famílias que vivem em áreas de risco.








