O MAMU (Morro Arte Mural) dá início a mais uma obra de arte urbana no Aglomerado da Serra, a maior favela de Minas Gerais, situada na regional Centro-Sul de Belo Horizonte. De acordo com dados do Censo, o território abriga aproximadamente 46 mil moradores, distribuídos em mais de 13 mil moradias, em uma área de 1.470.483 metros quadrados. Esta quarta edição do projeto é viabilizada por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais e da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, via Banco BS2. Com patrocínio da CEMIG — parceira do projeto desde a primeira edição – e realização do Governo de Minas Gerais, o MAMU segue ressignificando fachadas de casas em um macro mural de grande potência estética e política.

A escolha da Serra não é aleatória, é estratégica, simbólica e conectada com a cidade. O Aglomerado da Serra é um dos territórios mais vivos, com potência cultural em constante ebulição, importante polo econômico e grande referência de produção artística periférica. Ao chegar no território, a equipe do MAMU se colocou em escuta ativa, e a partir desse contato emergiu o tema “Águas da Serra”, uma resposta sensível às demandas da comunidade. Um lugar que revelou urgência em preservar os mananciais que cortam o morro e que não só contribuem para o abastecimento da região, mas desempenham papel fundamental no fornecimento hídrico de toda a capital mineira. Uma dessas correntes é oriunda das nascentes dos córregos Acaba Mundo, da Serra e do Cardoso, que nasce na Vila Cafezal e segue seu curso pela Cardoso, passando pela Avenida Mem de Sá até desaguar no Arrudas.

As obras começaram oficialmente no dia 14 de julho, com a instalação dos primeiros andaimes, mas a pintura começa no dia 18 de agosto e vai até 14 de setembro.

Embora a região do Aglomerado da Serra seja dividida oficialmente pelos registros municipais como Vilas Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora Aparecida, Santana do Cafezal, Fazendinha, Chácara, Marçola e Novo São Lucas, “a população divide o território como as três águas”, e enfatiza a importância que esses mananciais tem para a história local “antigamente cada água tinha um propósito. Uma era pra lavar a roupa, outra era pra beber e fazer comida, tomar banho e por aí vai. Antigamente não havia água encanada e/ou tratada. A gente subia com as latas na cabeça e depois enchia os galões de água.”, conta Maria Conceição da Costa, moradora e filha de Dalila Monteiro uma das maiores lideranças do Aglomerado.

Nesta edição, o MAMU mergulha neste tema evocando os fluxos vitais que atravessam o Aglomerado da Serra e sua importância simbólica, histórica e ecológica para Belo Horizonte. “Em uma cidade que cresceu muitas vezes de costas para seus rios e córregos, o projeto propõe um reencontro poético, cultural e político com suas águas originárias. Mais do que recursos naturais, essas águas carregam as memórias de um território profundamente conectado com o meio ambiente”, explica Juliana Flores, diretora artística e curadora do projeto.

Ela ressalta ainda que durante as escutas com os moradores, muitos dividiram com a equipe detalhes interessantes de como a água se manifesta de forma singular: no nome da Rua da Água, onde pulsa um dos maiores baile funk da cidade; nas trilhas que revelam córregos e quedas d’água preservadas entre as encostas; e nos desafios de acesso que ainda marcam parte do território, com períodos recorrentes de escassez. “O tema “Águas da Serra” busca, assim, ativar a escuta e o olhar sobre essas águas visíveis e invisíveis, celebrando sua força e convocando a imaginação coletiva para sua proteção”, complementa.

Comunidade é protagonista – Um dos pilares centrais do MAMU é a valorização da comunidade local. Ao contrário de outros anos, nesta edição, todos os detalhes foram pensados para tornar os moradores do local os maiores apreciadores do projeto. O principal exemplo dessa mudança de conceito é a disposição do macro mural, que em outras edições privilegiou a vista de quem passa por grandes avenidas da cidade como na Avenida dos Andradas, com a primeira edição do macro mural do Alto Vera Cruz em 2018; avenida Antônio Carlos, na Vila Nova Cachoeirinha em 2022; e avenida Senhora do Carmo, no Morro do Papagaio, com a terceira edição em 2024. Em 2025, o macro mural terá vista da Praça do Cardoso, privilegiando a própria comunidade e quem passa pela famosa Avenida Cardoso, via que dá acesso à Praça. Além desses pontos, o MAMU continuou priorizando contratações e fornecedores, já que 50% dos envolvidos são do Aglomerado da Serra, fomentando o desenvolvimento social e econômico, que vão de produtores a artistas locais.

A participação local é amplamente reforçada durante toda execução. Tal como as casas formam um grande mural, a comunidade, em coletivo, se transforma em uma grande equipe. São eles que decidem como e o que será feito. O protagonismo começa quando o morador avalia a proposta e assina o termo de aprovação, passando pela articulação com os vizinhos, a mobilização, as reuniões da equipe com a comunidade, as ideias para a comunicação do projeto, o fortalecimento da proposta com outros atores do território, no cafezinho que alimenta quem está ali preparando a base para a chegada do desenho e na programação artística que complementa todo o período do processo de pintura. “É importante reconhecer que a Serra já é um polo cultural. Por si só ela já tem grandes artistas. A arte é do Jorge dos Anjos, mas quem sobe pra pintar são os artistas locais. Tem o macro mural, tem os jovens com a pintura do canão e tem as crianças com muro da rua da água. Vamos promover um encontro intergeracional e deixar esse presente pro Serrão”, declara Fatini Forbeck, diretora criativa.

Desafios – A topografia do Aglomerado da Serra é marcada por encostas íngremes, morros e declives acentuados, e tornam complexa a instalação de estruturas como andaimes. Essa geografia acentuada que torna única e vibrante a paisagem da comunidade, impôs limites técnicos à expansão do macro mural, antes projetada para ser a maior de todas as edições com 40 residências pintadas, provocou ainda mais a ousadia e a criatividade da equipe na adaptação ao relevo, contemplando 34 casas dentro do layout. Segundo Bruna Pardini, diretora de produção do MAMU, “transformar o terreno em um aliado, mesmo com os obstáculos, tornou-se parte do legado do projeto”.

Capacitação – Com o objetivo de reforçar a segurança das pessoas que trabalham em andaimes e, em lugares altos, o MAMU fornece à equipe de pintores um treinamento especializado da Norma Regulamentadora 35 (trabalho em altura), considerado essencial para a prevenção de acidentes em atividades realizadas acima de dois metros de altura. Além de ensinar como prevenir acidentes, a capacitação prevê orientações sobre como usar adequadamente os Equipamentos de Proteção Individual (EPI), agir em casos de emergência, e noções de primeiros socorros.

De acordo com a produção, que acompanha a organização da atividade, a iniciativa é desafiadora, mas extremamente recompensadora. “Organizar esse curso é muito bom pra gente, pois colocamos o morador do local como protagonista do projeto da forma mais adequada. Claro que todo treinamento traz desafios, mas é gratificante, pois todos conseguem se envolver com mais segurança. A melhor parte é compartilhar conhecimento, porque é algo simples que muitos nem conhecem. A equipe conseguirá entender para que servem os equipamentos, como utilizá-los e como eles podem fazer a diferença para preservar a vida”, destaca Bruna Pardini.

Jorge dos Anjos – O desenho será criado por Jorge dos Anjos, um dos grandes nomes da arte contemporânea brasileira. O artista que cursou Artes Plásticas na Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP) é reconhecido como Mestre do Notório Saber pela UFMG e enriqueceu o cenário mineiro com suas esculturas. Uma de suas obras está presente na Lagoa da Pampulha. Escultor e desenhista nascido em Ouro Preto (MG), com trajetória iniciada nos anos 1970, sua produção transita entre escultura, desenho, pintura e instalações, explorando o corpo, a espiritualidade e a ancestralidade afro-brasileira. Sua obra marca presença em importantes coleções e espaços públicos do Brasil, com destaque para os painéis e esculturas instaladas em Belo Horizonte, Salvador e São Paulo. Jorge é reconhecido por incorporar materiais diversos como ferro, madeira e cobre, em trabalhos que dialogam com religiosidade, identidade negra e o imaginário coletivo brasileiro.

Legado – Macro murais são obras de arte de grande escala, geralmente pintadas em fachadas de prédios ou casas, que quando observadas de longe, formam uma imagem maior e mais complexa. No caso do MAMU, as casas de comunidades são a “tela” para a pintura, criando um mosaico gigante que pode ser apreciado de diferentes pontos de vista.

Em Belo Horizonte, o projeto já passou por três localidades. O bairro Alto Vera Cruz, localizado na região leste de Belo Horizonte, foi o primeiro a entrar para o mapa da arte urbana com um mural composto por pinturas em 41 casas. A criação dos desenhos ficou sob responsabilidade da dupla Cosmic Boys, composta pelo paulista Zéh Palito e o paranaense Rimon Guimarães. Ao todo, o trabalho foi desenvolvido em 25 dias e o resultado é um painel vibrante, com a mistura de cores característica da produção de Palito e Guimarães. A marca cromática dos artistas não apaga o tom colaborativo da obra, com moradores e outros profissionais contratados que atuaram em diferentes frentes, como no reboco das casas, na montagem dos andaimes, na pintura e finalização com verniz.

Vila Nova Cachoeirinha – Quem passa pela avenida Antônio Carlos, na região Noroeste de Belo Horizonte, consegue visualizar o mural, que foi pintado em casas da Vila Nova Cachoeirinha, local que fica ao lado da avenida Américo Vespúcio. Por trás desse trabalho está a artista belo-horizontina Criola, um dos maiores nomes do graffiti no Brasil, que tem um reconhecimento internacional. O mural possui cores vivas e formas geométricas, e transformou o ir e vir da Antônio Carlos mais bonito, tanto para os moradores da comunidade, quanto para os motoristas e passageiros que trafegam pela região.

Série “Brasões – Na terceira edição do MAMU – Morro Arte Mural, 40 casas do Morro do Papagaio, em Belo Horizonte, receberam um macro mural da artista capixaba Kika Carvalho, inspirado na série Brasões. A obra preencheu a vila com imagens de pipas que remetem a símbolos afro-diaspóricos, em diálogo com a cultura local e o cotidiano de crianças e jovens que empinam pipas na região.

Conheça o MAMU – O MAMU tem como objetivo fomentar a arte em regiões com potencial artístico, além de envolver a comunidade local na criação e execução do projeto. A equipe do MAMU conta com a participação de artistas locais e moradores, que são treinados em oficinas de formação artística. O MAMU não apenas embeleza as favelas, como também promove o senso de pertencimento e coletividade entre os moradores, transformando a arte em um elemento de transformação social.

Conheça Juliana Flores – Diretora artística e curadora do Projeto MAMU, Juliana Flores é uma das principais referências em arte pública no Brasil. É especialista há mais de uma década na criação, curadoria e realização de festivais e mostras que transformam o espaço urbano em território sensível e acessível. É sócia-fundadora da Pública Agência de Arte, criada em 2017, e coidealizadora de projetos renomados, como o CURA (Circuito Urbano de Arte), o MAMU (Morro Arte Mural), a Festa da Luz e o MAPA — Mostra de Arte Pública, projeto idealizado para cidades do interior.

Seu repertório abrange desde a curadoria, a direção artística de instalações temporárias até a produção de grandes festivais de arte. Já realizou projetos em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e outras cidades do país. Juliana Flores articula artistas, comunidades, patrocinadores e poder público com escuta atenta e visão criativa. Em cada projeto imprime sua marca: paixão, sensibilidade e capacidade de transformar ideias em experiências marcantes.

SERVIÇO

MAMU 2025 – Morro Arte Mural | 4ª Edição

Tema: Águas da Serra

Local: Aglomerado da Serra – Região Centro-Sul de Belo Horizonte/MG

Fachadas pintadas: 34 casas

Período de execução:

  • Montagem dos andaimes: 14 de julho de 2025
  • Início da pintura: 18 de agosto de 2025
  • Previsão de conclusão: 14 de setembro de 2025
IVO

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