Neste dia 5 de novembro, completam-se nove anos desde o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG). Considerado o maior desastre ambiental do Brasil, o evento ceifou 19 vidas e trouxe destruição irreparável ao longo da Bacia do Rio Doce, de Minas Gerais ao Espírito Santo, afetando comunidades e ecossistemas inteiros. Essa tragédia continua a levantar questões sobre segurança, responsabilidade e prevenção na indústria de mineração — o que, afinal, mudou para que algo assim nunca mais aconteça?
José Fernando Aparecido de Oliveira, presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG), lamenta o saldo das ações de reparação à tragédia até agora. “O desastre de Mariana é o maior colapso ambiental da mineração brasileira e, talvez, o maior desastre do gênero no mundo. O acordo de reparação, assinado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no final de outubro, e que demorou quase 10 anos para ficar pronto, compensa em parte, mas jamais vai reparar o impacto humano e ambiental.” Para ele, o acordo poderia ter sido mais abrangente, com atenção aos municípios mineradores e afetados pela atividade mineral, visando tanto a recuperação econômica quanto a segurança.
Thiago Metzker, consultor ambiental da AMIG, destaca que o aprendizado após a tragédia de Mariana foi tardio e reativo, e cobra a implementação de medidas preventivas. “Somente após desastres é que vemos novas normas de segurança. Deveríamos estar muito mais avançados em prevenção, e não reagindo a tragédias”, aponta. Ele ressalta que a AMIG tem realizado um trabalho para reduzir a assimetria de conhecimento e de acesso a tecnologias entre mineradoras e municípios, promovendo uma cultura preventiva. “Acreditamos que a mineração precisa, sim, ser mais segura, sustentável e comprometida com o bem-estar das comunidades.”
Thiago Metzker afirma que o impacto diário de viver sob o risco das barragens exige uma estrutura de prevenção e apoio financeiro que se estenda além do curto prazo. “Temos que lembrar que os territórios são os que mais sofrem. Os municípios mineradores e afetados devem estar no centro da fiscalização e da segurança, e não podem ser deixados para trás.”
O excesso de autoconfiança do setor minerador e os riscos de uma confiança desmedida
Waldir Salvador, consultor de Relações Institucionais e Econômicas da AMIG, enfatiza a confiança excessiva que marca a autogestão das mineradoras e o despreparo governamental. Ele relembra que, até a tragédia, em 2015, a Samarco (Vale e BHP Billiton) era reconhecida por sua responsabilidade ambiental e, como outras empresas do setor, gozava de um alto grau de autoconfiança. “O rompimento da barragem do Fundão e da barragem da Vale em Brumadinho, no dia 25 de janeiro de 2019, que deixou 272 mortos, mostrou como a ilusão de invulnerabilidade é perigosa. Hoje sabemos que o setor precisa rever essa autoconfiança para evitar que tragédias semelhantes ocorram no futuro.”
Waldir destaca que o problema não está apenas nas barragens, mas na gestão de toda a cadeia de mineração. Ele comenta que a falta de fiscalização e o peso do lobby do setor criaram uma estrutura vulnerável, onde o país não exerce o controle que deveria sobre a mineração. “Temos uma agência reguladora falida e sem capacidade de fiscalização. Outro fator agravante é o descaso do Governo Federal com as cidades mineradoras e afetadas pela atividade. O Novo Acordo de Mariana é um exemplo disso. Ele deveria considerar também o impacto econômico nas cidades, como Ouro Preto, que sofreu severamente com a saída da Samarco, mas sequer foi considerada como afetada na época. Ignorar os municípios é ignorar os verdadeiros atingidos. Eles merecem uma recuperação ampla, que leve em conta as perdas sociais e econômicas”, ressalta.
Reflexões para o futuro da mineração no Brasil
O Brasil precisa de uma postura firme e comprometida com o desenvolvimento sustentável, a segurança e a proteção das comunidades mineradoras. Para a AMIG, os erros do passado só serão evitados com uma fiscalização rígida e com a garantia de que os interesses das mineradoras não estejam acima dos interesses das pessoas e do meio ambiente.
Recentemente, a associação encaminhou à Agência Nacional de Mineração (ANM) um ofício solicitando esclarecimentos sobre a nova Resolução 175/2024, que redefine os critérios de fiscalização de barragens. A atualização trouxe um aumento significativo de estruturas em estado crítico: de pouco mais de 70 para mais de 100, situação que tem gerado temor nos municípios mineradores e afetados.
Segundo a AMIG, a mudança regulatória visa, sim, maior segurança, mas traz consigo incertezas operacionais e financeiras para os municípios. A entidade destaca que, para uma proteção real das comunidades, a nova resolução precisa vir acompanhada de mais transparência e suporte. “Precisamos que as empresas assumam suas responsabilidades, e que a ANM esclareça os novos critérios de emergência e o impacto nos municípios, com um diálogo técnico e transparente. Queremos atuar lado a lado com a agência, mas, para isso precisamos de uma agenda mais próxima e frequente”, enfatiza.